A Queda! As últimas horas de Hitler (2004).
Identificação da fonte:
“A Queda: as últimas horas de
Hitler”, tradução para o português de “Der Untergang” é
uma produção audiovisual alemã do ano de 2004, baseada na obra biográfica do
líder do Partido Nazista alemão Adolf Hitler (1889 – 1945) escrita por Joachim
Clemens Fest (1926 – 2006). O filme, dirigido por Oliver Hirschbiegel (1957) e
produzido por Bernd Eichinger (1949 – 2011), é um drama histórico que encena as
últimas ações e os momentos finais de Hitler durante o ano de 1945, quando se
encontrava retirado a seu Führerbunker em Berlim, na Alemanha, durante os
ataques e o avanço das tropas inimigas que culminam na queda do Nazismo Alemão.
A obra foi construída sob os relatos de Gertraud Humps (1920 – 2002) que fora contratada
por Hitler em 1942 para ser sua secretária pessoal.
O filme foi lançado em setembro de
2004 e chegou ao Brasil em maio de 2005, cerca de 60 anos após o acontecimento
que retrata. Além de narrar sobre um evento muito discutido por aqueles que se
interessam por história, o Nazismo Alemão e a 2º Guerra Mundial, a produção apresenta
uma visão mais aproximada de Hitler, descrevendo sua angústia frente a iminente
derrota, sua discreta afetividade com os que eram dele mais próximos e sua
falta de empatia para com os cidadãos alemães, que embora civis, pereciam
diante da invasão das tropas, sem o olhar de seu líder. Em virtude da estrutura
segundo o qual o filme é construído, a presença de Gertraud do início ao fim do
longa-metragem, sinaliza uma volta ao passado onde a personagem foi testemunha
ocular, provocando no espectador a sensação de imersão nos acontecimentos que
são narrados no tempo verbal presente.
Análise
das características da fonte:
A obra tem o
objetivo de detalhar as últimas horas de Hitler em seu bunker antes de
cometer suicídio por conta da derrota de suas tropas na Batalha de
Berlim (1945), onde o Exército Vermelho da extinta União Soviética tomou a
capital alemã e acabou com o Terceiro Reich. Hitler não considera se entregar
aos inimigos, e no dia 30 de abril de 1945, juntamente com Eva Braun (1912 –
1945), sua companheira, comete suicídio no mesmo local onde passou suas últimas
semanas, o Führerbunker.
Estão nos livros didáticos, nos filmes
e na memória daqueles que conhecem, mesmo que pouco, a história da 2º Guerra
Mundial, os horrores cometidos pelos nazistas sob o comando e liderança de
Adolf Hitler. Comumente retratado como um “monstro”, o líder da Alemanha
nazista é retratado neste filme com um homem que apesar de seu poderio, sente
angustiado com o perceptível fim de seu império; sente medo de ser capturado
pelos inimigos, e por esta razão decide dar cabo à própria vida. Acerca disto,
no ano seguinte ao lançamento do filme nos cinemas alemães, o jornal “NBC News”
sinalizou a discussão que surgia acerca do retrato de Hitler como um “humano”,
e este é um ponto interessante que surge ao espectador no desenrolar da
narrativa; demonstra que alguém comum, um homem como qualquer outro é, sim,
capaz de produzir terríveis feitos a outros indivíduos quando agindo sob uma
ideologia tão nociva quanto a nazista. Observando
o esquema de cores do filme – que sustenta tons mais escuros e frios –,
observa-se a intenção de descrever um ambiente melancólico que dá continuidade
ao interpretado sentimento de profunda angustia que, não somente Hitler, mas
todos os que o cercam do alto escalão do Reich, enfrentam naquele momento. A
iluminação do ambiente onde Hitler permanece por quase todo o longa é artificial,
por ser o espaço subterrâneo a soma destes efeitos de fotografia corrobora para
a produção de uma sensação de que o Führer estava cercado; escondido, de
dentro de seu bunker emitia ordens, que sem sua figura presente,
passaram a ser descumpridas por seus comandados ao perceberem que Hitler
ignorava a real situação de seu exército.
O áudio é outro ponto passível de
observação; por conta da estrutura mais parecida com um documentário, em
pouquíssimos momentos é possível notar uma trilha sonora, como em momentos de
confraternização, por exemplo, porém nada que fuja da naturalidade do ambiente.
Toda essa questão a respeito da emotividade (que humaniza o Führer na
obra) interpretada pelo ator no filme, advém da interpretação em si, somada ao
roteiro que apresenta Hitler jantando, brincando com sua cadela, sendo paciente
com a secretária.
Análise
historiográfica:
Para análise desta obra, retomarei
aos escritos de Hannah Arendt, mais precisamente ao capitulo “O movimento
totalitário” do livro “As origens do Totalitarismo”. Considero delimitar o
recorte histórico no qual o filme está construído: o final da 2º Guerra
Mundial, o ano de 1945, últimas semanas da Batalha de Berlim. “A Queda”
justamente faz referencia direta a queda do Terceiro Reich e a derrota dos
nazistas. Portanto, tendo como base historiográfica a obra de Arendt, o que se
segue é uma análise das ações dos personagens diante da iminente derrota,
estando alocados dentro da ideologia totalitária.
“Quando o totalitarismo
detém o controle absoluto, substitui a propaganda pela doutrinação e emprega a
violência não mais para assustar o povo (o que só é feito quando ainda existe a
oposição política), mas para dar realidade às suas doutrinas e às suas mentiras
utilitárias.” (ARENDT, 2012, p. 390)
A violência de Hitler em seu Bunker
nos discursos com seus oficiais, demonstra mais que o sentimento de angustia
pelo fim da guerra, era também um modo de ação diante de um momento em que a
doutrinação havia de demonstrar seus atributos. A desobediência de uma ordem do
Führer poderia resultar em sentença de morte, e servia para alertar
aqueles que ainda permaneciam ao lado de Hitler, que a natureza totalitária
ainda imperava. Hermman Fegelen, concunhado de Hitler, após causar suspeitas de
deserção e conspiração contra o líder da Alemanha nazista, fora assassinado a
mando do Führer, que desprezou os apelos de sua companheira, que
intercedia a favor de Fegelen, e fez cumprir sua vontade a serviço da doutrina
e manutenção da ordem segundo seus interesses. A este fato, pode-se ainda fazer
uma análise à luz do pensamento de Locke a respeito da tirania, também muito
presente na história de Hitler como líder do Partido Nazista Alemão. No filme,
ele declara a Eva o real motivo da irrevogabilidade da ordem, porque esta era
sua vontade (a execução). É perceptível neste caso a aplicabilidade da
disciplina, e não a propaganda ideológica. No totalitarismo, ao que se subjaz à
insubordinação a resposta é a força, a violência.
Ainda sobre o efeito nocivo do
totalitarismo aos próprios integrantes do movimento, há de se destacar os
eventos de sacrifício voluntário, quanto a isso Arendt escreve “O fanatismo dos
membros dos movimentos totalitários, [...] resulta exatamente da falta de
egoísmo interesseiro dos indivíduos que formam as massas e que estão perfeitamente
dispostos a se sacrificarem pela ideia.” (2012, p. 397), e continua, “[...] a
propaganda nazista consolou a população, já grandemente atemorizada, com a
promessa de que o Führer [...] havia preparado uma morte suave para o
povo alemão” (2012, p. 397), alienados com a rigidez da resistência nazista em
Berlim, ainda que a derrota avançara junto às tropas do Exército Vermelho, a
grande maioria dos que acompanhavam Hitler em seu Bunker, juravam
defender, até o fim, a capital alemã das invasões e pretendiam estar com o
líder até que os russos chegassem até o forte subterrâneo.
Com a falta de perspectivas com a
vitória, na obra, Hitler além de decidir por seu autoextermínio estimula que os
seus também o faça, chega a distribuir ampolas com cianureto, que promete uma
morte indolor. Uma onda suicídios se forma entre os militares e familiares
destes que estavam em contato direto com o Führer no Führerbunker.
A fala de Magda Goebbels ao escrever uma carta destinada a seu filho, narra os
acontecimentos daqueles dias, a desesperança de Hitler, a aceitação da morte (que
é o ponto principal desta análise) e a despedida seguida do suicídio, não
somente seu, como também de seus filhos que foram levados ao Bunker. Magda
escreve: “não vale a pena viver após a morte do Führer, e após o
nacional socialismo”, o que leva à problemática da organização totalitária, a
estrutura e o esquema que construiu as bases do nazismo, e último adentro desta
análise: a estrutura.
Hannah Arendt discorre sobre a
formação, dentro da ideologia totalitária, de uma dualidade que se apresenta
entre um mundo totalitário e um exterior, não-totalitário. E também a
necessidade dos participantes desse movimento (o totalitário) em combater o
exterior. Uma nota de rodapé da página 410 traz a seguinte citação atribuída a
Hitler: “[...] E já disse muitas vezes que o tempo virá em que todos os homens
de valor da Alemanha se passarão para o meu lado. E os que não passarem para o
meu lado, não valem nada”, um sinal claro do terror produzido pela propaganda
totalitária nazista. Uma expressão de que, neste ideário, só existe um lado
certo, o outro deve ser combatido por não ter a mesma ideologia. Portanto,
todos os cidadãos alemães que não se posicionavam a favor da ideologia nazista,
principalmente quando o Reich estava desmoronando, os que não “estavam com
Hitler”, eram desertores. No filme há uma cena que ilustra esta situação, a
Polícia Militar assassina dois civis idosos, por serem encontrados em suas
casas durante o ataque à Berlim. O totalitarismo combate a vida não-política
como afirma Arendt: “[...] a sua organização proporcionava um substituto
temporário para a vida comum, não-política, que o totalitarismo realmente
procura abolir” (ARENDT, 2012, p. 417).
Por fim, vendo-se cercados, soldados
da linha de frente na Batalha de Berlim, abaixam suas armas diante do avanço do
Exército Vermelho. A rendição chega com menos imponência aos comandantes das
tropas, aqueles que estavam mais próximos de Hitler, pelo conhecimento de que
serão presos pelos russos, assumirão a responsabilidade por suas ações. Quanto
a mudança, o abandono da ideologia na queda do Reich, Hannah escreve:
“É no momento da derrota que a fraqueza
inerente da propaganda totalitária se torna visível. Sem a força do movimento,
seus membros cessam imediatamente de acreditar no dogma pelo qual ainda ontem
estavam dispostos a sacrificar a vida, [...] Os membros dos movimentos totalitários,
inteiramente fanáticos, enquanto o movimento existe, não seguem o exemplo dos
fanáticos religiosos morrendo como mártires, embora estivessem antes tão
dispostos a morrer como robôs” (ARENDT, 2012. P. 113).
Humps, a secretária, afirma que foi
a curiosidade que levou-a trabalhar com Hitler. Quanto ao desprezo as
advertências dos que a conheciam e sabiam de seu interesse em trabalhar com os
nazistas, ela alegar ser consequência da ingenuidade que tinha naquele tempo. Característica
apontada anteriormente por Arendt como uma suspensão da realidade, um mundo
construído sob as bases da propaganda totalitária e o terror; perde
estabilidade diante da derrota do ideário.
Bibliografia:
A QUEDA! Às Últimas Horas de Hitler. Direção:
Oliver Hirschbiegel. Produção: Bernd Eichinger. Alemanha: Europa Filmes, 2004.
Disponível em:
https://www.primevideo.com/dp/amzn1.dv.gti.44b919d1-8ca1-2916-ad4b-05796fd57444?
0&ref_=atv_cf_strg_w b. Acesso em:
24 ago. 2022.
ARENDT, Hannah. O MOVIMENTO totalitário: A propaganda
totalitária. In: Origens do Totalitarismo. São Paulo:
Companhia das Letras, 2012. p. 390-438.
LOCKE, John. “Textos de Locke”. In:
WEFFORT, Francisco (organizador). Os clássicos da política, volume
1, São Paulo: Ática, 1989, p. 91-110.
ECKARDT, A. Filme mostrando o lado suave
de Hitler gera polêmica. Disponível em:
<https://www.nbcnews.com/id/wbna6019248>. Acesso em: 22
ago. 2022.
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